Este livro tem como objetivo investigar os funcionamentos relativos aos testemunhos e às cenas em que eles se produzem ou emergem, sobretudo, a partir da análise da campanha “Eu vou contar”, promovida pela ONG Anis – Instituto de Bioética, um esforço de escuta e divulgação de “histórias/relatos de aborto” feitos via Tumblr. Analisam-se os “relatos” em relação às suas condições de emergência, sugerindo um gesto de aproximação, ou de leitura-trituração, entre a primeira campanha e dois outros materiais (a campanha #meuamigosecreto e o Capítulo 10 do Relatório da Comissão Nacional da Verdade). Destaca-se o funcionamento dos “relatos” na contradição, entre a tentativa/chance e a falha/impossibilidade de dizer, marcado pela constituição do enunciado que nomeia a campanha, composto por uma locução verbal cujo objeto está ausente (“eu vou contar [ ]”). A análise desse enunciado leva à elaboração da noção de funcionamento testemunhal como consequência do atravessamento da dimensão do traumático que define o testemunho. Além disso, elabora-se a relação entre a formação dos relatos testemunhais e o funcionamento dos próprios relatos, por meio da mobilização da noção de cena.