Este livro propõe um estudo acerca do funcionamento discursivo de polêmicas feministas. As polêmicas analisadas dizem respeito aos conflitos entre duas correntes do movimento: a transfeminista e a feminista radical. Tais conflitos referem-se aos distintos significados do conceito de gênero. O feminismo radical e o transfeminismo compartilham, por meio de redes de memória, sentidos em comum, provenientes do campo discursivo feminista. Contudo, o litígio toma contornos à medida que os processos de designação se dividem entre esses dois discursos, tendo em vista os determinantes “cisgênero” e “transgênero”. A polêmica culmina numa espécie de disputa de sentidos da palavra “mulher” por meio da recusa ou reivindicação dessas duas palavras. As palavras “cisgênero” e “transgênero” fazem funcionar, portanto, processos distintos de designação de “mulher”. Para compreender o funcionamento dessas divisões e disputas de sentido, levamos em consideração o referencial teórico da análise do discurso e da semântica do acontecimento. Mobilizamos conceitos como formação discursiva, heterogeneidade enunciativa, relações de determinação de palavras e tipologias discursivas (polêmico, lúdico e autoritário). Compreendemos a maneira pela qual determinado discurso representa o seu adversário, por meio das restrições semânticas da própria formação discursiva.